O ESSENCIAL DA DIDÁTICA E O TRABALHO DE PROFESSOR – EM BUSCA DE NOVOS CAMINHOS
José Carlos Libâneo
Os alunos mais velhos comentam entre si: "Gosto dessa professora porque ela tem didática". Os mais novos costumam dizer que com aquela professora eles gostam de aprender.
Provavelmente, o que os alunos querem dizer é que essas professoras têm um modo acertado de dar aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática?
A didática pode ajudar os alunos a melhorarem seu aproveitamento escolar? O que uma professora precisa conhecer de didática, para que possa melhorar o seu trabalho docente?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho conseguir que seus alunos aprendam da melhor forma possível. Por mais limitações que um professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta, insuficiente domínio da matéria e dos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional, etc.), quando entra na sua classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos alunos um bom ensino. Apesar disso, saberá ele fazer um bom ensino, de modo que os alunos
aprendam melhor?
Há diversos tipos de professores no ensino fundamental. Os mais tradicionais contentam-se
em transmitir a matéria que está no livro didático. Suas aulas são sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo para todas as matérias, independentemente da idade e das características individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas práticas de passar a matéria, dar exercícios e depois cobrar o conteúdo na prova, dêem alguns bons resultados. O mais comum, no entanto, é o aluno memorizar o que o professor fala, decorar a matéria e mecanizar fórmulas, definições etc.
Esse tipo de aprendizagem (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) não é duradouro. Na verdade, aluno com uma aprendizagem de qualidade é aquele que desenvolve raciocínio próprio, que faz relações entre um conceito e outro, que sabe lidar com conceitos, que sabe aplicar o conhecimento em situações novas ou diferentes tanto na sala de aula como fora dela, que sabe explicar uma idéia com suas próprias palavras. Se é verdade que há professores tradicionais que sabem ensinar os alunos a aprender dessa forma, a maioria deles não se dá conta de que a aprendizagem duradoura é aquela pela qual os alunos aprendem a lidar de forma independente com os conhecimentos.
Os professores que se julgam mais atualizados (vamos chamá-los de progressistas) variam bastante os métodos de ensino. Preocupam-se mais com as diferenças individuais e sociais dos alunos, costumam fazer trabalho em grupo ou estudo dirigido, tentam usar mais diálogo ou são mais amorosos no relacionamento com os alunos. Essa forma de trabalho didático é, sem dúvida, bem mais acertada do que a tradicional. Entretanto, quase sempre esses professores continuam presos a uma prática tradicional de ensino: na hora de cobrar os resultados do processo de ensino, pedem a memorização, a repetição de fórmulas e definições. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando mais o aluno, fica a atividade pela atividade, sem considerar que a aprendizagem significa a elaboração dos conhecimentos pela atividade mental do aluno. Em outras palavras, muitos professores não sabem como ajudar o aluno a, através de uma atividade mental, elaborar de forma consciente e independente o conhecimento. As atividades que organizam não levam os alunos a adquirir métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais para poderem lidar de forma independente e criativa com os conhecimentos que vão assimilando.
Na perspectiva histórico-social, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos alunos através da assimilação consciente e ativa dos conteúdos. O
professor, na sala de aula, utiliza-se dos conteúdos da matéria para ajudar os alunos a desenvolverem competências e habilidades de observar a realidade, perceber as propriedades e características do objeto de estudo, estabelecer relações entre um conhecimento e outro, adquirir métodos de raciocínio, capacidade de pensar por si próprios, fazer comparações entre fatos e acontecimentos, formar conceitos para lidar com eles no dia-a-dia de modo que sejam instrumentos mentais para aplicá-los em situações da vida prática.
Pode-se dizer que a perspectiva histórico-cultural se aproxima de uma concepção sócioconstrutivista.
É sócio porque compreende a situação de ensino e aprendizagem como uma atividade conjunta, compartilhada, do professor e dos alunos, como uma relação social entre professor e alunos frente ao saber escolar. Quer dizer: o aluno constrói, elabora, seus conhecimentos, seus métodos de estudo, sua afetividade, com a ajuda do professor. O professor é aqui um parceiro mais experiente na conquista do conhecimento, interagindo com a experiência do aluno. O papel do ensino - e, portanto, do professor - é mediar a relação de conhecimento que o aluno trava com os objetos de conhecimento e consigo mesmo, para a construção de sua aprendizagem. É construtivista porque o papel do ensino é possibilitar que o aluno desenvolva suas próprias capacidades para que ele mesmo realize as tarefas de aprendizagem e produza sua autonomia de pensamento.
A atitude sócio-construtivista significa entender que a aprendizagem é resultado da relação ativa sujeito-objeto, sendo que a ação do sujeito sobre o objeto é socialmente mediada. Implica, portanto, o papel do professor enquanto portador de conhecimentos elaborados socialmente, e interações sociais entre os alunos. A sala de aula é o lugar compartilhamento e troca de significados entre o professor e os alunos e entre os alunos. É o local da interlocução, de levantamento de questões, dúvidas, de desenvolver a capacidade da argumentação, do confronto de idéias. É o lugar onde, com a ajuda indispensável do professor, o aluno aprende autonomia de pensamento, em atividades compartilhadas com os demais colegas. Este é o ponto mais importante de uma atitude sócio-construtivista.
A didática e o trabalho de professores.
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. Essa segurança ou competência profissional é muito importante, mas é insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos, dos métodos e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente na educação das crianças. A atividade docente tem a ver diretamente com o "para quê educar", pois a educação se realiza numa sociedade formada por grupos sociais que têm uma visão distinta de finalidades educativas. Os grupos que detêm o poder político e econômico querem uma educação que forme pessoas submissas, que aceitem como natural a desigualdade social e o atuai sistema econômico. Os grupos que se identificam com as necessidades e aspirações do povo querem uma educação que contribua para formar crianças e jovens capazes de compreender criticamente as realidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construção de uma sociedade mais humana e mais igualitária.
A didática, portanto, trata dos objetivos, condições e meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sóciopolíticos. Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. Por isso, o planejamento do ensino deve começar com propósitos claros sobre as finalidades do ensino na preparação dos alunos para a vida social: que objetivos mais amplos queremos atingir com o nosso trabalho, qual o significado social da matéria que ensinamos, o que pretendemos fazer para que meus alunos reais e concretos possam tirar proveito da escola etc. As finalidades ou objetivos gerais que o professor deseja atingir vão orientar a seleção e organização de conteúdos e métodos e das atividades propostas aos alunos. Essa função orientadora dos objetivos vai aparecer a cada aula, perpassando todo o ano letivo.
Dissemos que a didática cuida dos objetivos, condições e modos de realização do processo de ensino. Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define esse processo é o seguinte: o núcleo da atividade docente é a relação ativa do aluno com a matéria de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de uma combinação adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos, programar tarefas, criar condições de estudo dentro da classe, incentivar os alunos, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações feitos em classe, seja na prática da vida.
Podemos dizer, então, que o processo didático, é o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor, visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais. Nessa
concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam reciprocamente, pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades mentais se verificam no decorrer da assimilação ativa dos conteúdos. Portanto, o ensino e a aprendizagem (estudo) se movem em torno dos conteúdos escolares visando o desenvolvimento do pensamento.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino (professor) e a aprendizagem efetiva decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a
matéria?
A força impulsionadora do processo de ensino é um adequado ajuste entre os objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo professor e o nível de conhecimentos, experiências, requisitos prévios e desenvolvimento mental presentes no aluno. O movimento permanente que ocorre a cada aula consiste em que, por um lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas, relacionados com conteúdos significativos, instigantes e acessíveis. Por outro lado, os alunos, ao assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam sua atividade mental e desenvolvem suas capacidades e habilidades.
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a matéria ao aluno. É diferente, também, de dar atividades aos alunos para que fiquem "ocupados" ou aprendam fazendo, O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre conteúdos e problemas que são colocados e a percepção ativa e o raciocínio dos alunos. É isto que caracteriza a dinâmica da situação didática, numa perspectiva sócio-construtivista.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado, da capacidade atual de assimilação e do desenvolvimento mental do aluno. Mas, atenção: não existe o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um grupo social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua capacidade de aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade e a experiência sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de vida. Sem essa disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os conteúdos, condição para se conseguir uma aprendizagem significativa.
Talvez o traço mais marcante de uma didática crítico-social – numa perspectiva sócioconstrutivista, superando o caráter somente instrumental da didática usual - seja o de atribuir ao trabalho docente o papel de mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o aluno que, para além de um sujeito psicológico, é um sujeito portador da prática social viva.
A didática e a pedagogia do pensar: formando sujeitos pensantes e críticos frente às necessidades educativas presentes, a escola consolida-se cada vez mais como lugar de mediação cultural, visando a assimilação e reconstrução da cultura. A pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se como prática cultural, uma forma de trabalho cultural, que envolve uma prática intencional de produção e internalização de significados. O modus faciendi da mediação cultural, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alunos dos meios de aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para isso, é necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva. A didática hoje precisa comprometer-se com a qualidade cognitiva das aprendizagens e esta, por sua vez, está associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para se defrontarem com dilemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica está também, associada, inerentemente, ao valor, a um valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os outros a se constituírem como sujeitos, a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas.
Para adequar-se às necessidades contemporâneas relacionadas com as formas de aprendizagem, a didática precisa fortalecer a investigação sobre o papel mediador do professor na preparação dos alunos para o pensar. Mais precisamente: será fundamental entender que o conhecimento supõe o desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o pensamento supõe metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse caso, a questão está em como o ensino pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de conceitos teóricos. Ou, em outras palavras, o que fazer para estimular as capacidades investigadoras dos alunos ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Para a busca desses novos caminhos da didática, será de grande valia o aproveitamento das recentes pesquisas sobre a teoria histórico-cultural da atividade, assim como as pesquisas sobre as inter-relações entre cultura e aprendizagem.
a) O desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo é explicado através de três posições: inatistas, mecanicistas e construtivistas. Entre as posições construtivistas destacam-se a piagetiana, a ciência cognitiva, a sócio-construtivista e a histórico-cultural. Estas três posições consideram que os significados, sentimentos, comportamentos dos indivíduos se constroem na história peculiar de cada sujeito, em suas interações com o meio físico e social. Mas divergem sobre o papel do sujeito e o papel do meio exterior nessa construção de significados. Analisaremos apenas a concepção histórico-cultural.
A concepção histórico-cultural compreende que o desenvolvimento psicológico, a par de incluir um lado biológico, depende da experiência, da interação social e das influencias do contexto cultural. O construtivismo sociocultural prioriza a importância do polo social e cultural no desenvolvimento do psiquismo. O desenvolvimento das capacidades de pensamento se constitui e se realiza ao utilizar a cultura humana (os interesses, os conteúdos, atitudes do conhecimento).
A psicologia histórico-cultural tem uma explicação peculiar do desenvolvimento psicológico. Para ela, um dos objetivos mais relevantes da escola é o de propiciar o desenvolvimento cognitivo dos alunos. O desenvolvimento cognitivo depende, consideravelmente, da atividade de aprender, implicando os vários processos culturais e psicológicos que propiciam aprendizagem.
Vigotski estabelece uma relação muito forte entre a experiência sócio-histórica da humanidade (cultura) e as funções psicológicas especificamente humanas, entre elas, a capacidade cognitiva. Ou seja, os signos culturais são instrumental para a construção de processos mentais superiores, que se constituem como requisito para os indivíduos organizarem seu comportamento e suas ações.
Os signos (instrução) são "apropriados" (internalizados) mediante a educação. Os signos culturais enquanto instrumentos da atividade humana, são internalizados pelo indivíduo mediante a atividade de aprendizagem, a partir de uma atividade externa de "transmissão" garantindo com isso a auto-regulação das ações e comportamentos do indivíduo.
A explicação de Vigotski é de que "toda função mental surge em cena duas vezes e de dois modos: primeiro, socialmente, interpessoalmente, ou interpsicologicamente e, segundo, psicologicamente, dentro da mente da criança, isto é, instrapsicologicamente" (Formação Social da Mente). A educação atua na zona de desenvolvimento proximal, com base em interações especificas entre crianças e adultos e entre crianças e crianças.
b) Cultura e aprendizagem
A premissa básica do construtivismo sócio-histórico é a interação ativa entre a realidade e o sujeito na construção de conhecimentos e modos de ação. Prioriza a importância do pólo social e cultural (ao contrário de Piaget e da ciência cognitiva). Os indivíduos adquirem a dimensão humana assimilando as bases da sua cultura. A dimensão cultural é constitutiva do desenvolvimento individual. A cultura é internalizada pelo desenvolvimento cognitivo.
Por quê a ênfase na internalização da cultura? O que caracteriza a mente humana e a cultura humana é seu caráter simbólico. A relação dos indivíduos com a realidade tem como suporte (mediação) a representação simbólica dessa realidade compartilhada pelos membros de um grupo social.
Surge daí a pergunta: qual é a natureza dos processos simbólicos? Como as pessoas constróem significados?
A ação humana, o comportamento humano tem um caráter pessoal, individual, pois os significados estão na mente de cada indivíduo, cada um tem um modo peculiar de representar a realidade agir sobre ela. Entretanto, esses significados são internalizados a partir da interação com os outros, isto é, das praticas sociais e culturais em que vive. Portanto, a origem desses significados é social.
1 Uma visão histórico-cultural dos processos do pensar significa fazer da cultura – isto é, da idéia de que a natureza humana é criadora de história – uma categoria fundamental das teorias da constituição da natureza humana. Refere-se ao papel da cultura na formação dos processos mentais. Temos aqui um entendimento de "atividade humana socioculturalmente definida". A implicação mais imediata dessa teoria é de que a aprendizagem é inseparável de um contexto sociocultural em que o aprendiz participa ativamente, em companhia de outros membros de sua comunidade, na aquisição de destrezas e formas de conhecimento socioculturalmente valorizadas. O desenvolvimento mental é inseparável dos processos sociais que progressivamente se interiorizam. É este o sentido das palavras de Vigotsky: "Eu me relaciono comigo tal como as pessoas relacionam-se comigo. (...) A relação entre as funções psicológicas superiores foi, outrora, relação real entre pessoas".
Através da experiência física e da comunicação intersubjetiva, é o contexto cultural que fornece os recursos materiais e simbólicos, os instrumentos técnicos, as estratégias, os valores...
Cada indivíduo constrói seus esquemas de representação e atuação, a partir desses esquemas legitimados na sua comunidade.
As representações simbólicas individuais são apropriações singulares dos indivíduos, são construídas, são interiorizadas a partir de contextos culturais concretos. Essas representações, as
relações do indivíduo com a realidade, são polissêmicas, são ambíguas, são subjetivas. Ou seja, os
significados subjetivos, ao mesmo tempo que têm elementos comuns e compartilhados, contém também elementos singulares de cada sujeito. Os significados individuais se constroem numa rede de significados sociais. Ou como escreve Rogoff: "Os processos de pensamento individual se relacionam com práticas sociais desenvolvidas por gerações anteriores". Essa constatação é de grande importância para se compreender a noção de zona de desenvolvimento proximal como espaço privilegiado da experiência educativa.
c) A didática e o desenvolvimento dos processos do pensar
A didática tem um núcleo próprio de estudos: a relação ensino-aprendizagem, na qual estão implicados os objetivos, os conteúdos, os métodos, as formas de organização do ensino. Hoje, especialmente, a didática está fortemente ligada a questões que envolvem o desenvolvimento de
funções cognitivas, visando a aprendizagem autônoma. Podemos chamar isso também de competências cognitivas, estratégias do pensar, pedagogia do pensar, etc.
A característica mais destacada do trabalho de professor, do ponto de vista didático, é a mediação. O professor põe-se entre o aluno e o conhecimento para possibilitar-lhe as condições e os meios de aprendizagem. Tais condições e meios parecem poder ser centrados em ações orientadas para o desenvolvimento das funções cognitivas. Nesse sentido, a questão crucial que se põe à didática é: como se dá o processo de construção individual de significados?
Em outras palavras: como um sujeito aprende, de um modo que as aprendizagens sejam eficazes, duradouras, úteis para lidar com os problemas e dilemas da realidade? Como podemos ajudar as pessoas a desenvolverem seus processos de pensamento? Que papel ou que intensidade têm nesses processos o meio exterior, i.e., o contexto concreto de aprendizagens? Que recursos cognitivos ajudam o sujeito a construir significados, ou seja, interpretar a realidade e organizar estratégias de intervenção nela?
(...) um dos aspectos mais relevantes para entender a formação da cultura experiencial de cada indivíduo é a análise de seus processos de construção de significados. São estes significados (...) os responsáveis das formas de atuar, sentir e pensar, enfim, da formação da individualidade peculiar de cada sujeito, com diferente grau de autonomia, competência e eficácia para situar-se e intervir no contexto vital" (Pérez Gomez, 2000).
Os estudos sobre os processos do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Isto traz implicações importantes para o ensino, pois se o que está mudando é a forma como se aprende, os professores precisam mudar a forma de como se ensina. O como se ensina, em princípio, depende do como se aprende.
Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Para Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade de aprender, em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes informacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis e eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001, p. 16). Também Morin expressa com muita convicção a exigência de se desenvolver uma inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Ele escreve: (...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral. (Morin, 2000, p. 39)
Davídov, após perguntar como se pode desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais necessárias para assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos, escreve: Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de "desenvolvimental". (Davídov, 1988, p.3)
Em síntese, estar preocupado com a qualidade de ensino hoje implica em assumir uma pedagogia do pensar crítico, reflexivo, criativo. E qual é o papel da didática?
A didática preocupa-se com as condições e modos pelos quais os alunos melhoram e potencializam sua aprendizagem. Ela se pergunta como os alunos podem ser ajudados a lidar com
conceitos, a argumentar, a raciocinar logicamente, a concatenar idéias, a pensar sobre o que aprende. Ou seja, como alunos aprendem a internalizar conceitos, competências do pensar, elementos categoriais, de modo que saibam lidar com eles para resolver problemas, enfrentar dilemas, sair-se bem de situações-problema. Adicionamente, uma didática a serviço de uma pedagogia crítica precisa buscar novas idéias para assegurar o desenvolvimento do pensar crítico. Interessa-lhe, pois, refletir sobre objetivos e estratégias de formação de sujeitos pensantes e críticos.
O pensamento didático mais avançado, em conexão com as tendências atuais nos planos epistemológico, psicocognitivo e pedagógico, apóia-se hoje, no Brasil, em algumas proposições consensuais, ao menos como pontos de partida da investigação teórico-prática. Tais proposições são, sinteticamente: papel ativo do sujeito na aprendizagem escolar, formação de sujeitos capazes de desenvolver pensamento autônomo, crítico e criativo, desenvolvimento de competências cognitivas do aprender a aprender, aprendizagem interdisciplinar, construção de conceitos articulados com as representações dos alunos. O processo de ensino e aprendizagem teria, então,
como referência, o sujeito que aprende, seu modo de pensar, sua relação com o saber e como constrói e reconstrói conceitos e valores, ou seja, a formação de sujeitos pensantes implicando estratégias interdisciplinares de ensino para desenvolver competências do pensar e do pensar sobre o pensar.
Além disso, a sociedade do conhecimento põe exigências mais definidas para a aprendizagem escolar, pelo impacto das novas tecnologias da comunicação e informação. Os meios de comunicação produzem significados, passam idéias e valores, ou seja, atuam na construção da subjetividade e da consciência. Que recursos cognitivos podem ajudar os alunos a atribuírem significado à informação? Quais ingredientes do aprender a pensar ajudam os alunos a reordenarem e reestruturarem a informação que lhes chega fragmentada e em mosaico?
Uma questão crucial que decorre dessa perspectiva é saber que experiências de aprendizagem possibilitam mais qualidade cognitiva no processo de construção e reconstrução de conceitos, procedimentos e valores. Em outros termos: que recursos intelectuais, que estratégias de aprendizagem, podem ajudar os alunos a tirar proveito do seu potencial de pensamento e tomarem consciência de seus próprios processos mentais. Embora essa problemática não seja nova, trata-se, mais uma vez, de buscar os meios pedagógico-didáticos de melhorar e potencializar a aprendizagem dos alunos. A aposta, aqui, é de ensinar pensar através de uma metodologia direta e sistemática. "É necessário o recurso (intencional, deliberado e sistemático) a estratégias de ensino que estimulem os alunos a aprenderem a pensar. (Santos, 1994).
Junto a isso, no intento de uma educação crítica e democrática, cumpre recuperar as possibilidades do pensamento dialético no plano epistêmico em função de formar não apenas um sujeito com raciocínio autônomo mas também crítico.
Trata-se, pois, de pensar em experiências de aprendizagem que mobilizem o aluno a pensar por conceitos, lidar praticamente com conceitos, argumentar, raciocinar logicamente, concatenar idéias, pensar sobre o que aprende. Todavia, a reflexão pretende ir mais longe: associar o movimento do ensino do pensar, as estratégias cognitivas, aprender a aprender, aprendizagem significativa, ao processo de reflexão dialética de cunho crítico (crítica como forma lógicoepistemológica).
Tem-se como premissa que pensar é mais que explicar e para isso a formação escolar precisa formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistêmico ou categorial, ou seja, um sujeito que desenvolva capacidades (competências) básicas em termos de instrumentação conceitual (categorial) que lhe permite, mais do que saber coisas, mais do que receber uma informação disciplinar, poder colocar-se frente à realidade, apropriar-se do momento histórico (pensar historicamente essa realidade) e reagir frente a ela (Zemelman, 1994). Obviamente, trata-se de algo para muito além de um mero "treino" em competências do pensar.
A aprendizagem das competências do pensar está associada, pelo menos, a duas correntes da psicologia: o modelo tecnocrático (tecnicismo) e o modelo cognitivista. O que há de comum nesses modelos é a ênfase no desenvolvimento de procedimentos cognitivos destinados a facilitar a capacidade de atuação e adaptação do aluno a situações e informações novas. Mas há diferenças substantivas entre esses dois modelos.
O modelo tecnicista é muito claro: as estratégias cognitivas não são mais que comportamentos práticos para transformar o aluno num sujeito prático, competente. É prevista uma sequenciação do ensino semelhante à instrução programada ou ao planejamento curricular que adquire característica de controle do trabalho do professor. Não importaria muito uma atividade mais autônoma por parte do aluno, nem sua disposição de aprender.
O modelo cognitivista focaliza os processos internos de elaboração do conhecimento. O desenvolvimento de estratégias cognitivas seria uma estratégia geral do processo do conhecimento, ligada à aprendizagem significativa, às formas de ajudar o aluno a desenvolver um pensamento autônomo, critico, criativo, à ativação de processos mais complexos de pensamento e desenvolvimento dos alunos. Na verdade, as habilidades cognitivas não seriam ações finalistas mas mediadoras do processo de aprender. Tais estratégias cognitivas, uma vez internalizadas pelo aluno, favoreceriam organizar seu raciocínio para lidar com a informação, fazer relações entre conteúdos, enfim, tornar a informação conhecimento significativo, levar a uma generalização cognitiva em outras situações e momentos de aprendizagem do indivíduo. Outro procedimento do ensinar a pensar é a metacognição isto é, a necessidade de o aluno tomar consciência dos objetivos da aprendizagem e dos meios que utiliza para atingir esses objetivos podendo, com isso, organizar e dirigir seu próprio processo de aprendizagem (...)
O ponto de vista defendido aqui é de os alunos podem ser intencionalmente ensinados a pensar, em contextos sócioculturais específicos. Nesse sentido, os processos do aprender a pensar e do aprender a aprender, além de estarem vinculados à psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento, dependem também da consideração dos contextos socioculturais. Pelo seu caráter pedagógico, o ensino tem caráter de intencionalidade implicando, portanto, opções sócio-políticas que obrigam a discussão e a construção dos objetivos e práticas do ensino no próprio marco institucional em que ocorrem. Não se está negando a contribuição da Psicologia para a compreensão dos processos internos mediadores do aprender, mas sua insuficiência para entender a aprendizagem também como processo social e cultural, e como atividade planejada e organizada, por onde a Didática intervém ao postular valores e intencionalidades educativas e formas específicas do ensino.
Goiânia, novembro de 2001
Os alunos mais velhos comentam entre si: "Gosto dessa professora porque ela tem didática". Os mais novos costumam dizer que com aquela professora eles gostam de aprender.
Provavelmente, o que os alunos querem dizer é que essas professoras têm um modo acertado de dar aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática?
A didática pode ajudar os alunos a melhorarem seu aproveitamento escolar? O que uma professora precisa conhecer de didática, para que possa melhorar o seu trabalho docente?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho conseguir que seus alunos aprendam da melhor forma possível. Por mais limitações que um professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta, insuficiente domínio da matéria e dos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional, etc.), quando entra na sua classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos alunos um bom ensino. Apesar disso, saberá ele fazer um bom ensino, de modo que os alunos
aprendam melhor?
Há diversos tipos de professores no ensino fundamental. Os mais tradicionais contentam-se
em transmitir a matéria que está no livro didático. Suas aulas são sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo para todas as matérias, independentemente da idade e das características individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas práticas de passar a matéria, dar exercícios e depois cobrar o conteúdo na prova, dêem alguns bons resultados. O mais comum, no entanto, é o aluno memorizar o que o professor fala, decorar a matéria e mecanizar fórmulas, definições etc.
Esse tipo de aprendizagem (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) não é duradouro. Na verdade, aluno com uma aprendizagem de qualidade é aquele que desenvolve raciocínio próprio, que faz relações entre um conceito e outro, que sabe lidar com conceitos, que sabe aplicar o conhecimento em situações novas ou diferentes tanto na sala de aula como fora dela, que sabe explicar uma idéia com suas próprias palavras. Se é verdade que há professores tradicionais que sabem ensinar os alunos a aprender dessa forma, a maioria deles não se dá conta de que a aprendizagem duradoura é aquela pela qual os alunos aprendem a lidar de forma independente com os conhecimentos.
Os professores que se julgam mais atualizados (vamos chamá-los de progressistas) variam bastante os métodos de ensino. Preocupam-se mais com as diferenças individuais e sociais dos alunos, costumam fazer trabalho em grupo ou estudo dirigido, tentam usar mais diálogo ou são mais amorosos no relacionamento com os alunos. Essa forma de trabalho didático é, sem dúvida, bem mais acertada do que a tradicional. Entretanto, quase sempre esses professores continuam presos a uma prática tradicional de ensino: na hora de cobrar os resultados do processo de ensino, pedem a memorização, a repetição de fórmulas e definições. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando mais o aluno, fica a atividade pela atividade, sem considerar que a aprendizagem significa a elaboração dos conhecimentos pela atividade mental do aluno. Em outras palavras, muitos professores não sabem como ajudar o aluno a, através de uma atividade mental, elaborar de forma consciente e independente o conhecimento. As atividades que organizam não levam os alunos a adquirir métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais para poderem lidar de forma independente e criativa com os conhecimentos que vão assimilando.
Na perspectiva histórico-social, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos alunos através da assimilação consciente e ativa dos conteúdos. O
professor, na sala de aula, utiliza-se dos conteúdos da matéria para ajudar os alunos a desenvolverem competências e habilidades de observar a realidade, perceber as propriedades e características do objeto de estudo, estabelecer relações entre um conhecimento e outro, adquirir métodos de raciocínio, capacidade de pensar por si próprios, fazer comparações entre fatos e acontecimentos, formar conceitos para lidar com eles no dia-a-dia de modo que sejam instrumentos mentais para aplicá-los em situações da vida prática.
Pode-se dizer que a perspectiva histórico-cultural se aproxima de uma concepção sócioconstrutivista.
É sócio porque compreende a situação de ensino e aprendizagem como uma atividade conjunta, compartilhada, do professor e dos alunos, como uma relação social entre professor e alunos frente ao saber escolar. Quer dizer: o aluno constrói, elabora, seus conhecimentos, seus métodos de estudo, sua afetividade, com a ajuda do professor. O professor é aqui um parceiro mais experiente na conquista do conhecimento, interagindo com a experiência do aluno. O papel do ensino - e, portanto, do professor - é mediar a relação de conhecimento que o aluno trava com os objetos de conhecimento e consigo mesmo, para a construção de sua aprendizagem. É construtivista porque o papel do ensino é possibilitar que o aluno desenvolva suas próprias capacidades para que ele mesmo realize as tarefas de aprendizagem e produza sua autonomia de pensamento.
A atitude sócio-construtivista significa entender que a aprendizagem é resultado da relação ativa sujeito-objeto, sendo que a ação do sujeito sobre o objeto é socialmente mediada. Implica, portanto, o papel do professor enquanto portador de conhecimentos elaborados socialmente, e interações sociais entre os alunos. A sala de aula é o lugar compartilhamento e troca de significados entre o professor e os alunos e entre os alunos. É o local da interlocução, de levantamento de questões, dúvidas, de desenvolver a capacidade da argumentação, do confronto de idéias. É o lugar onde, com a ajuda indispensável do professor, o aluno aprende autonomia de pensamento, em atividades compartilhadas com os demais colegas. Este é o ponto mais importante de uma atitude sócio-construtivista.
A didática e o trabalho de professores.
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional. Essa segurança ou competência profissional é muito importante, mas é insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos, dos métodos e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente na educação das crianças. A atividade docente tem a ver diretamente com o "para quê educar", pois a educação se realiza numa sociedade formada por grupos sociais que têm uma visão distinta de finalidades educativas. Os grupos que detêm o poder político e econômico querem uma educação que forme pessoas submissas, que aceitem como natural a desigualdade social e o atuai sistema econômico. Os grupos que se identificam com as necessidades e aspirações do povo querem uma educação que contribua para formar crianças e jovens capazes de compreender criticamente as realidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construção de uma sociedade mais humana e mais igualitária.
A didática, portanto, trata dos objetivos, condições e meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sóciopolíticos. Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. Por isso, o planejamento do ensino deve começar com propósitos claros sobre as finalidades do ensino na preparação dos alunos para a vida social: que objetivos mais amplos queremos atingir com o nosso trabalho, qual o significado social da matéria que ensinamos, o que pretendemos fazer para que meus alunos reais e concretos possam tirar proveito da escola etc. As finalidades ou objetivos gerais que o professor deseja atingir vão orientar a seleção e organização de conteúdos e métodos e das atividades propostas aos alunos. Essa função orientadora dos objetivos vai aparecer a cada aula, perpassando todo o ano letivo.
Dissemos que a didática cuida dos objetivos, condições e modos de realização do processo de ensino. Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define esse processo é o seguinte: o núcleo da atividade docente é a relação ativa do aluno com a matéria de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de uma combinação adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos, programar tarefas, criar condições de estudo dentro da classe, incentivar os alunos, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações feitos em classe, seja na prática da vida.
Podemos dizer, então, que o processo didático, é o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor, visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais. Nessa
concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam reciprocamente, pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades mentais se verificam no decorrer da assimilação ativa dos conteúdos. Portanto, o ensino e a aprendizagem (estudo) se movem em torno dos conteúdos escolares visando o desenvolvimento do pensamento.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino (professor) e a aprendizagem efetiva decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a
matéria?
A força impulsionadora do processo de ensino é um adequado ajuste entre os objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo professor e o nível de conhecimentos, experiências, requisitos prévios e desenvolvimento mental presentes no aluno. O movimento permanente que ocorre a cada aula consiste em que, por um lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas, relacionados com conteúdos significativos, instigantes e acessíveis. Por outro lado, os alunos, ao assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam sua atividade mental e desenvolvem suas capacidades e habilidades.
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a matéria ao aluno. É diferente, também, de dar atividades aos alunos para que fiquem "ocupados" ou aprendam fazendo, O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre conteúdos e problemas que são colocados e a percepção ativa e o raciocínio dos alunos. É isto que caracteriza a dinâmica da situação didática, numa perspectiva sócio-construtivista.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado, da capacidade atual de assimilação e do desenvolvimento mental do aluno. Mas, atenção: não existe o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um grupo social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua capacidade de aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade e a experiência sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de vida. Sem essa disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os conteúdos, condição para se conseguir uma aprendizagem significativa.
Talvez o traço mais marcante de uma didática crítico-social – numa perspectiva sócioconstrutivista, superando o caráter somente instrumental da didática usual - seja o de atribuir ao trabalho docente o papel de mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o aluno que, para além de um sujeito psicológico, é um sujeito portador da prática social viva.
A didática e a pedagogia do pensar: formando sujeitos pensantes e críticos frente às necessidades educativas presentes, a escola consolida-se cada vez mais como lugar de mediação cultural, visando a assimilação e reconstrução da cultura. A pedagogia, ao viabilizar a educação, constitui-se como prática cultural, uma forma de trabalho cultural, que envolve uma prática intencional de produção e internalização de significados. O modus faciendi da mediação cultural, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alunos dos meios de aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
Com efeito, as crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para isso, é necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva. A didática hoje precisa comprometer-se com a qualidade cognitiva das aprendizagens e esta, por sua vez, está associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para se defrontarem com dilemas e problemas da vida prática. A razão pedagógica está também, associada, inerentemente, ao valor, a um valor intrínseco, que é a formação humana, visando a ajudar os outros a se constituírem como sujeitos, a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas.
Para adequar-se às necessidades contemporâneas relacionadas com as formas de aprendizagem, a didática precisa fortalecer a investigação sobre o papel mediador do professor na preparação dos alunos para o pensar. Mais precisamente: será fundamental entender que o conhecimento supõe o desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o pensamento supõe metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar. Nesse caso, a questão está em como o ensino pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de conceitos teóricos. Ou, em outras palavras, o que fazer para estimular as capacidades investigadoras dos alunos ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Para a busca desses novos caminhos da didática, será de grande valia o aproveitamento das recentes pesquisas sobre a teoria histórico-cultural da atividade, assim como as pesquisas sobre as inter-relações entre cultura e aprendizagem.
a) O desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo é explicado através de três posições: inatistas, mecanicistas e construtivistas. Entre as posições construtivistas destacam-se a piagetiana, a ciência cognitiva, a sócio-construtivista e a histórico-cultural. Estas três posições consideram que os significados, sentimentos, comportamentos dos indivíduos se constroem na história peculiar de cada sujeito, em suas interações com o meio físico e social. Mas divergem sobre o papel do sujeito e o papel do meio exterior nessa construção de significados. Analisaremos apenas a concepção histórico-cultural.
A concepção histórico-cultural compreende que o desenvolvimento psicológico, a par de incluir um lado biológico, depende da experiência, da interação social e das influencias do contexto cultural. O construtivismo sociocultural prioriza a importância do polo social e cultural no desenvolvimento do psiquismo. O desenvolvimento das capacidades de pensamento se constitui e se realiza ao utilizar a cultura humana (os interesses, os conteúdos, atitudes do conhecimento).
A psicologia histórico-cultural tem uma explicação peculiar do desenvolvimento psicológico. Para ela, um dos objetivos mais relevantes da escola é o de propiciar o desenvolvimento cognitivo dos alunos. O desenvolvimento cognitivo depende, consideravelmente, da atividade de aprender, implicando os vários processos culturais e psicológicos que propiciam aprendizagem.
Vigotski estabelece uma relação muito forte entre a experiência sócio-histórica da humanidade (cultura) e as funções psicológicas especificamente humanas, entre elas, a capacidade cognitiva. Ou seja, os signos culturais são instrumental para a construção de processos mentais superiores, que se constituem como requisito para os indivíduos organizarem seu comportamento e suas ações.
Os signos (instrução) são "apropriados" (internalizados) mediante a educação. Os signos culturais enquanto instrumentos da atividade humana, são internalizados pelo indivíduo mediante a atividade de aprendizagem, a partir de uma atividade externa de "transmissão" garantindo com isso a auto-regulação das ações e comportamentos do indivíduo.
A explicação de Vigotski é de que "toda função mental surge em cena duas vezes e de dois modos: primeiro, socialmente, interpessoalmente, ou interpsicologicamente e, segundo, psicologicamente, dentro da mente da criança, isto é, instrapsicologicamente" (Formação Social da Mente). A educação atua na zona de desenvolvimento proximal, com base em interações especificas entre crianças e adultos e entre crianças e crianças.
b) Cultura e aprendizagem
A premissa básica do construtivismo sócio-histórico é a interação ativa entre a realidade e o sujeito na construção de conhecimentos e modos de ação. Prioriza a importância do pólo social e cultural (ao contrário de Piaget e da ciência cognitiva). Os indivíduos adquirem a dimensão humana assimilando as bases da sua cultura. A dimensão cultural é constitutiva do desenvolvimento individual. A cultura é internalizada pelo desenvolvimento cognitivo.
Por quê a ênfase na internalização da cultura? O que caracteriza a mente humana e a cultura humana é seu caráter simbólico. A relação dos indivíduos com a realidade tem como suporte (mediação) a representação simbólica dessa realidade compartilhada pelos membros de um grupo social.
Surge daí a pergunta: qual é a natureza dos processos simbólicos? Como as pessoas constróem significados?
A ação humana, o comportamento humano tem um caráter pessoal, individual, pois os significados estão na mente de cada indivíduo, cada um tem um modo peculiar de representar a realidade agir sobre ela. Entretanto, esses significados são internalizados a partir da interação com os outros, isto é, das praticas sociais e culturais em que vive. Portanto, a origem desses significados é social.
1 Uma visão histórico-cultural dos processos do pensar significa fazer da cultura – isto é, da idéia de que a natureza humana é criadora de história – uma categoria fundamental das teorias da constituição da natureza humana. Refere-se ao papel da cultura na formação dos processos mentais. Temos aqui um entendimento de "atividade humana socioculturalmente definida". A implicação mais imediata dessa teoria é de que a aprendizagem é inseparável de um contexto sociocultural em que o aprendiz participa ativamente, em companhia de outros membros de sua comunidade, na aquisição de destrezas e formas de conhecimento socioculturalmente valorizadas. O desenvolvimento mental é inseparável dos processos sociais que progressivamente se interiorizam. É este o sentido das palavras de Vigotsky: "Eu me relaciono comigo tal como as pessoas relacionam-se comigo. (...) A relação entre as funções psicológicas superiores foi, outrora, relação real entre pessoas".
Através da experiência física e da comunicação intersubjetiva, é o contexto cultural que fornece os recursos materiais e simbólicos, os instrumentos técnicos, as estratégias, os valores...
Cada indivíduo constrói seus esquemas de representação e atuação, a partir desses esquemas legitimados na sua comunidade.
As representações simbólicas individuais são apropriações singulares dos indivíduos, são construídas, são interiorizadas a partir de contextos culturais concretos. Essas representações, as
relações do indivíduo com a realidade, são polissêmicas, são ambíguas, são subjetivas. Ou seja, os
significados subjetivos, ao mesmo tempo que têm elementos comuns e compartilhados, contém também elementos singulares de cada sujeito. Os significados individuais se constroem numa rede de significados sociais. Ou como escreve Rogoff: "Os processos de pensamento individual se relacionam com práticas sociais desenvolvidas por gerações anteriores". Essa constatação é de grande importância para se compreender a noção de zona de desenvolvimento proximal como espaço privilegiado da experiência educativa.
c) A didática e o desenvolvimento dos processos do pensar
A didática tem um núcleo próprio de estudos: a relação ensino-aprendizagem, na qual estão implicados os objetivos, os conteúdos, os métodos, as formas de organização do ensino. Hoje, especialmente, a didática está fortemente ligada a questões que envolvem o desenvolvimento de
funções cognitivas, visando a aprendizagem autônoma. Podemos chamar isso também de competências cognitivas, estratégias do pensar, pedagogia do pensar, etc.
A característica mais destacada do trabalho de professor, do ponto de vista didático, é a mediação. O professor põe-se entre o aluno e o conhecimento para possibilitar-lhe as condições e os meios de aprendizagem. Tais condições e meios parecem poder ser centrados em ações orientadas para o desenvolvimento das funções cognitivas. Nesse sentido, a questão crucial que se põe à didática é: como se dá o processo de construção individual de significados?
Em outras palavras: como um sujeito aprende, de um modo que as aprendizagens sejam eficazes, duradouras, úteis para lidar com os problemas e dilemas da realidade? Como podemos ajudar as pessoas a desenvolverem seus processos de pensamento? Que papel ou que intensidade têm nesses processos o meio exterior, i.e., o contexto concreto de aprendizagens? Que recursos cognitivos ajudam o sujeito a construir significados, ou seja, interpretar a realidade e organizar estratégias de intervenção nela?
(...) um dos aspectos mais relevantes para entender a formação da cultura experiencial de cada indivíduo é a análise de seus processos de construção de significados. São estes significados (...) os responsáveis das formas de atuar, sentir e pensar, enfim, da formação da individualidade peculiar de cada sujeito, com diferente grau de autonomia, competência e eficácia para situar-se e intervir no contexto vital" (Pérez Gomez, 2000).
Os estudos sobre os processos do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Isto traz implicações importantes para o ensino, pois se o que está mudando é a forma como se aprende, os professores precisam mudar a forma de como se ensina. O como se ensina, em princípio, depende do como se aprende.
Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Para Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade de aprender, em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes informacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis e eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001, p. 16). Também Morin expressa com muita convicção a exigência de se desenvolver uma inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Ele escreve: (...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral. (Morin, 2000, p. 39)
Davídov, após perguntar como se pode desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais necessárias para assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos, escreve: Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de "desenvolvimental". (Davídov, 1988, p.3)
Em síntese, estar preocupado com a qualidade de ensino hoje implica em assumir uma pedagogia do pensar crítico, reflexivo, criativo. E qual é o papel da didática?
A didática preocupa-se com as condições e modos pelos quais os alunos melhoram e potencializam sua aprendizagem. Ela se pergunta como os alunos podem ser ajudados a lidar com
conceitos, a argumentar, a raciocinar logicamente, a concatenar idéias, a pensar sobre o que aprende. Ou seja, como alunos aprendem a internalizar conceitos, competências do pensar, elementos categoriais, de modo que saibam lidar com eles para resolver problemas, enfrentar dilemas, sair-se bem de situações-problema. Adicionamente, uma didática a serviço de uma pedagogia crítica precisa buscar novas idéias para assegurar o desenvolvimento do pensar crítico. Interessa-lhe, pois, refletir sobre objetivos e estratégias de formação de sujeitos pensantes e críticos.
O pensamento didático mais avançado, em conexão com as tendências atuais nos planos epistemológico, psicocognitivo e pedagógico, apóia-se hoje, no Brasil, em algumas proposições consensuais, ao menos como pontos de partida da investigação teórico-prática. Tais proposições são, sinteticamente: papel ativo do sujeito na aprendizagem escolar, formação de sujeitos capazes de desenvolver pensamento autônomo, crítico e criativo, desenvolvimento de competências cognitivas do aprender a aprender, aprendizagem interdisciplinar, construção de conceitos articulados com as representações dos alunos. O processo de ensino e aprendizagem teria, então,
como referência, o sujeito que aprende, seu modo de pensar, sua relação com o saber e como constrói e reconstrói conceitos e valores, ou seja, a formação de sujeitos pensantes implicando estratégias interdisciplinares de ensino para desenvolver competências do pensar e do pensar sobre o pensar.
Além disso, a sociedade do conhecimento põe exigências mais definidas para a aprendizagem escolar, pelo impacto das novas tecnologias da comunicação e informação. Os meios de comunicação produzem significados, passam idéias e valores, ou seja, atuam na construção da subjetividade e da consciência. Que recursos cognitivos podem ajudar os alunos a atribuírem significado à informação? Quais ingredientes do aprender a pensar ajudam os alunos a reordenarem e reestruturarem a informação que lhes chega fragmentada e em mosaico?
Uma questão crucial que decorre dessa perspectiva é saber que experiências de aprendizagem possibilitam mais qualidade cognitiva no processo de construção e reconstrução de conceitos, procedimentos e valores. Em outros termos: que recursos intelectuais, que estratégias de aprendizagem, podem ajudar os alunos a tirar proveito do seu potencial de pensamento e tomarem consciência de seus próprios processos mentais. Embora essa problemática não seja nova, trata-se, mais uma vez, de buscar os meios pedagógico-didáticos de melhorar e potencializar a aprendizagem dos alunos. A aposta, aqui, é de ensinar pensar através de uma metodologia direta e sistemática. "É necessário o recurso (intencional, deliberado e sistemático) a estratégias de ensino que estimulem os alunos a aprenderem a pensar. (Santos, 1994).
Junto a isso, no intento de uma educação crítica e democrática, cumpre recuperar as possibilidades do pensamento dialético no plano epistêmico em função de formar não apenas um sujeito com raciocínio autônomo mas também crítico.
Trata-se, pois, de pensar em experiências de aprendizagem que mobilizem o aluno a pensar por conceitos, lidar praticamente com conceitos, argumentar, raciocinar logicamente, concatenar idéias, pensar sobre o que aprende. Todavia, a reflexão pretende ir mais longe: associar o movimento do ensino do pensar, as estratégias cognitivas, aprender a aprender, aprendizagem significativa, ao processo de reflexão dialética de cunho crítico (crítica como forma lógicoepistemológica).
Tem-se como premissa que pensar é mais que explicar e para isso a formação escolar precisa formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistêmico ou categorial, ou seja, um sujeito que desenvolva capacidades (competências) básicas em termos de instrumentação conceitual (categorial) que lhe permite, mais do que saber coisas, mais do que receber uma informação disciplinar, poder colocar-se frente à realidade, apropriar-se do momento histórico (pensar historicamente essa realidade) e reagir frente a ela (Zemelman, 1994). Obviamente, trata-se de algo para muito além de um mero "treino" em competências do pensar.
A aprendizagem das competências do pensar está associada, pelo menos, a duas correntes da psicologia: o modelo tecnocrático (tecnicismo) e o modelo cognitivista. O que há de comum nesses modelos é a ênfase no desenvolvimento de procedimentos cognitivos destinados a facilitar a capacidade de atuação e adaptação do aluno a situações e informações novas. Mas há diferenças substantivas entre esses dois modelos.
O modelo tecnicista é muito claro: as estratégias cognitivas não são mais que comportamentos práticos para transformar o aluno num sujeito prático, competente. É prevista uma sequenciação do ensino semelhante à instrução programada ou ao planejamento curricular que adquire característica de controle do trabalho do professor. Não importaria muito uma atividade mais autônoma por parte do aluno, nem sua disposição de aprender.
O modelo cognitivista focaliza os processos internos de elaboração do conhecimento. O desenvolvimento de estratégias cognitivas seria uma estratégia geral do processo do conhecimento, ligada à aprendizagem significativa, às formas de ajudar o aluno a desenvolver um pensamento autônomo, critico, criativo, à ativação de processos mais complexos de pensamento e desenvolvimento dos alunos. Na verdade, as habilidades cognitivas não seriam ações finalistas mas mediadoras do processo de aprender. Tais estratégias cognitivas, uma vez internalizadas pelo aluno, favoreceriam organizar seu raciocínio para lidar com a informação, fazer relações entre conteúdos, enfim, tornar a informação conhecimento significativo, levar a uma generalização cognitiva em outras situações e momentos de aprendizagem do indivíduo. Outro procedimento do ensinar a pensar é a metacognição isto é, a necessidade de o aluno tomar consciência dos objetivos da aprendizagem e dos meios que utiliza para atingir esses objetivos podendo, com isso, organizar e dirigir seu próprio processo de aprendizagem (...)
O ponto de vista defendido aqui é de os alunos podem ser intencionalmente ensinados a pensar, em contextos sócioculturais específicos. Nesse sentido, os processos do aprender a pensar e do aprender a aprender, além de estarem vinculados à psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento, dependem também da consideração dos contextos socioculturais. Pelo seu caráter pedagógico, o ensino tem caráter de intencionalidade implicando, portanto, opções sócio-políticas que obrigam a discussão e a construção dos objetivos e práticas do ensino no próprio marco institucional em que ocorrem. Não se está negando a contribuição da Psicologia para a compreensão dos processos internos mediadores do aprender, mas sua insuficiência para entender a aprendizagem também como processo social e cultural, e como atividade planejada e organizada, por onde a Didática intervém ao postular valores e intencionalidades educativas e formas específicas do ensino.
Goiânia, novembro de 2001
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